segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Político É Tudo Ladrão!

Angeli- PolíticosO artigo que transcrevo abaixo foi publicado no final de 2005 pelo psicanalista Contardo Calligaris e trata de um assunto sempre presente na cena política brasileira e ainda mais comentado em época de eleições: a corrupção.

Assunto difícil de comentar quando desejamos ir além do senso-comum, da generalização e da simplificação, para compreender a conduta do político brasileiro. Mais difícil ainda de comentar na semana em que um grande banqueiro, um prefeito paulista e um mega investidor da bolsa vão parar na cadeia - mesmo que seja por pouco tempo.

Deixando de lado, para o propósito deste post, a questão ética que envolve a prática desses crimes, existe uma particularidade que sempre me incomodou muito sobre o tema.

A facilidade que a população, induzida pela mídia-espetáculo, tem em julgar, condenar e generalizar denúncias sobre os supostos crimes de corrupção, quase sempre noticiados antes mesmo que qualquer providência jurídica seja tomada.

No universo do pré-julgamento as esferas públicas têm seu lugar previamente definido. O executivo lidera a preferência como o mais corrupto (quase sempre na figura do presidente, "seja ele quem for"), seguido pelo legislativo (sempre "conivente e cúmplice" das ações do primeiro) e por último, o judiciário (que, em sua decisão suprema, daria o respaldo legal para essas ações).

Essa maneira peculiar e superficial de analisar a política é responsável por pérolas do senso-comum como a famosa "Político é tudo ladrão", ou então "O poder corrompe o homem", ou pior "Hay gobierno? Soy contra" e outras que, por desinteresse, insisto em esquecer. Se alguém, convicto de sua capacidade em promover mudanças, se propõe a participar do processo político é logo anestesiado por outra pérola: "Desista, uma andorinha só não faz verão". Caso eleito, se demonstra eficiência através da execução de obras, invariavelmente cai na famosa: "Esse rouba, mas faz".

Várias coisas incomodam nessas afirmações. A primeira é que a crítica, em última instância retorna à própria população, uma vez que os eleitos estão no governo por indicação popular. Voto direto. Uma prerrogativa da democracia que o brasileiro insiste em vincular a um improvável paternalismo do governo e ao benefício pessoal acima do bem-comum, seja na cadeira de rodas seja para pedir um emprego. Curioso. O brasileiro coloca os políticos na mesma categoria da mãe do juiz de futebol, mas na hora da eleição exerce sua cidadania como se estivesse escolhendo o artista da novela das oito. O que, às vezes, chega a ocorrer de fato.

Em segundo lugar, se a crítica estivesse correta, teríamos retrocesso e não progresso. Se político fosse “tudo ladrão”, hoje estaríamos vivendo numa guerra civil e não em um país cujo Estado Democrático de Direito jamais foi tão respeitado. Instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal estão aí para fazer valer as determinações legais decididas pelos nobres políticos escolhidos por nós mesmos.

Terceiro, toda generalização é burra (inclusive esta). Nem todo político é ladrão. Entre os oportunistas, os exibicionistas e os que desejam o poder pelo poder, sempre haverá aqueles que levantarão as suspeitas, que vetarão emendas e que esvaziarão as sessões da câmara para impedir que determinado assunto seja aprovado à revelia do bem-comum. Para esse caso temos outra pérola do imaginário popular: “Todo homem tem seu preço”. Talvez. Talvez seja uma questão de tempo para que o indivíduo se corrompa. Talvez a orientação político-partidária assumida por ele o obrigue a fazer escolhas que vão contra suas convicções, porque a corrupção também pode ser ideológica. Mas, caso as hipóteses acima se confirmem, apenas servirão como prova de que era uma questão de tempo para aquele político assumisse sua verdadeira face. Ele jamais fez parte do grupo dos políticos que não são ladrões.

Quarto é a crítica vazia, que não aponta solução e limita a qualidade intelectual do assunto a uma conversa de botequim. Como argumentar com alguém que acredita que “político é tudo ladrão”?

Angeli - Curto e GrossoQuinto, a passividade com que o indivíduo contempla o pessimismo de sua crença. Alguém que realmente acredita nisso deve viver em um mundo de raiva, impotência e angústia insuportáveis.

Sexto, o desinteresse em observar que em outras sociedades, onde a democracia está mais amadurecida, a corrupção é exemplarmente punida. Ela continua existindo, mas quando é descoberta é severamente punida. Como foi que esses países alcançaram esse amadurecimento democrático? Com certeza não foi acreditando que “político é tudo ladrão”.

Por último, esse derrotismo na maneira de se ver no mundo, que só pode ser fruto de uma imensa baixa auto-estima. É o famoso “Não posso fazer nada” afinal sou apenas “uma andorinha só que não faz verão”, mas “Deus há de castigá-los”. Assim o processo se prolonga indefinidamente gerando mais corrupção, pobreza e atraso social.

Por um instante cheguei a pensar que essa crítica generalizada fosse fruto de um paradoxo. Como grande parte da população depende diretamente do populismo do governo para sobreviver e essa dependência gera uma vida de subsistência miserável, limitam-se a criticá-lo, embora sem abrir mão dos benefícios que essa relação de dependência garante. Mas esse raciocínio é superficial demais e carece de uma compreensão mais profunda do papel do estado na sociedade moderna.

Então me deparei com esse artigo em que o autor sugere que a origem desse comportamento é muito mais individual do que coletiva e ainda propõe um caminho a ser seguido para que se possa amadurecer como indivíduo e assim transformar-se efetivamente em cidadão. Boa leitura.


A ARMADILHA DA CORRUPÇÃO

Contardo Calligaris - 03/11/2005




No fim de semana passado, estive no encontro do Instituto DNA Brasil, em Campos do Jordão. O evento reunia pessoas representativas de várias áreas, para que, durante três dias, debatessem sobre os meios para tornar o país "justo e habitável com dignidade".

Um dia inteiro foi dedicado ao tema da corrupção. A imprensa já relatou as sugestões às quais a gente chegou, consensualmente ou quase: desde o financiamento público das campanhas até o voto distrital misto ou a possibilidade de revogar os mandatos antes do seu fim.

No sábado, bem na hora em que começava a discussão sobre a corrupção, chegou a revista Veja, com a reportagem de capa sobre o suposto financiamento cubano na campanha do PT de 2002.

A pior conseqüência desta série interminável de denúncias e apurações é a aparente "confirmação" de um lugar-comum desastroso: "Eles são todos corruptos" ("eles" são, no caso, os políticos).

Não me importa agora decidir se "eles" são mesmo todos corruptos. Tampouco penso que a imprensa tenha de esconder o que ela descobre só para não "comprovar" que "eles são todos corruptos". Mas o fato é que esse lugar-comum é uma armadilha para nossa capacidade de agir como cidadãos.

Aparte: a reunião do DNA não caiu na armadilha da indignação diante da corrupção generalizada, e esse não foi o menor de seus méritos. Mas a exceção não derruba a regra que vou expor.

Qual é o efeito em nós do "eles são todos corruptos"?

Várias vezes, nos últimos meses, fui entrevistado sobre o estado de espírito dos brasileiros nas circunstâncias atuais. A pergunta, quase sempre, sugeria a resposta esperada: "Quais são os efeitos em seus pacientes da decepção e da depressão nacionais?". Em geral, respondi, preguiçosamente, que, de fato, os acontecimentos são tristes e deprimentes.

Mas essa resposta óbvia (para a qual não seria preciso um especialista) é falsa.

Em regra, o narcisismo da gente funciona assim: quanto maior a imperfeição do mundo, quanto maior a decepção que nos é imposta pela conduta dos outros, tanto maior é nossa exaltação narcisista. No caso, atrás das queixas, a constatação de que nossos representantes e governantes seriam todos corruptos está longe de ser depressiva.

É lógico: acreditar que os outros sejam todos deficientes morais é o melhor jeito de afirmar que nós, ao contrário e em comparação, somos gigantes da moralidade.

Contemplar o mundo como um vasto teatro de defeitos equivale a erigir um monumento à nossa suposta integridade, graças ao seguinte raciocínio implícito (capenga, mas gratificante): se podemos constatar que todos os outros são corruptos, é porque somos os ÚNICOS limpos. De repente, confirmar nossa grandiosa unicidade se torna nossa ocupação principal. Com isso, é paralisada nossa capacidade de transformar o mundo.

A psicologia do self (esta foi, ao meu ver, sua maior contribuição à psicanálise) mostrou o seguinte: temos acesso ao mundo e a uma ação minimamente eficaz para transformá-lo quando paramos de contemplar sua imperfeição (celebrando a unicidade de nossa diferença) e enxergamos na realidade algo (diferente de nós) que possamos idealizar.

Por exemplo, se vivo numa cidade em que acho horríveis todas as habitações salvo a minha, dedico-me integralmente a caiar de branco a fachada de minha casa, na qual, aliás, fecho-me como num sepulcro. Mas se reconheço que, na cidade, há outras moradias que são mais bonitas do que a minha, há chances que um dia eu queira sair de pincel e vassoura na mão para pintar de branco as fachadas da cidade inteira e para lavar as calçadas.

O que vale para as casas vale para os outros. Se acho que todos os outros são imperfeitos, considero-me como a única exceção, torno-me meu próprio ideal, ou seja, só idealizo (e amo) a mim mesmo. É a razão pela qual, em geral, um terapeuta se abstém de julgar moralmente seus pacientes: quem julga está quase sempre mais preocupado em comemorar sua própria integridade do que em entender o outro.

Em suma, as denúncias que assolam nosso cotidiano podem dar lugar a uma vontade de transformar o mundo só se nossa indignação não afetar o mundo inteiro. "Eles são TODOS corruptos" é um pensamento que serve apenas para "confirmar" a "integridade" de quem se indigna.

O lugar-comum sobre a corrupção generalizada não é uma armadilha para os corruptos: eles continuam iguais e livres, enquanto, fechados em casa, festejamos nossa esplendorosa retidão.

O dito lugar-comum é uma armadilha que amarra e imobiliza os mesmos que denunciam a imperfeição do mundo inteiro.

Nota: alguns conseguem contemplar e lamentar a imperfeição do mundo sem se gabar de sua própria perfeição. O melhor exemplo (e o mais raro) são os santos. A santidade não consiste só em reconhecer suas próprias falhas ou em perdoar as falhas dos outros. O santo, além disso, enxerga a imperfeição do mundo, mas continua encontrando razões para amá-lo, ou seja, continua encontrando seus ideais lá fora, na banalidade imperfeita dos outros.

Fonte Folha SP

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