quinta-feira, 27 de julho de 2006

Sic Transit Gloria Mundi*

Se um povo elege seu governante através do voto, é responsável pelas ações tomadas por esse governante. Em síntese, são esses deputados radicais, vinculados à partidos fundamentalistas ou ortodoxos, que elegem a cúpula que irá ditar suas políticas internas e externas. Essa regra é geral. Vale tanto para os deputados extremistas, ortodoxos, fundamentalistas e radicais do Líbano, Israel e da Palestina, quanto para os deputados acusados de corrupção que votam suas absolvições em CPI's no Brasil. Lá também vale a máxima: "Cada povo tem o governo que merece".

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Israel poderia contornar o cedro, usando a sua inteligência (literalmente) e o seu serviço secreto.

É uma pena que o atual governo do Líbano não tenha força (ou interesse) para dominar o Hezbollah - única forma de se iniciar alguma espécie de acordo de paz. Quando um país faz "vista grossa", acaba apoiando indiretamente o grupo extremista, seja ele o Hezbollah, o Hamas, ou o MST. As razões podem ser muitas: a. o povo concorda com a ação do grupo extremista b. o povo está sendo subjugado por uma tirania opressora. c. o governo não tem força política para dominar seus extremistas. No caso do Líbano parece ser a terceira opção. Além disso, é uma pena que o argumento do conflito continue sendo a religião. Logo agora que o Líbano começava a se organizar novamente como nação. Depois de 15 anos de guerra civil entre cristãos e muçulmanos e depois de 12 bilhões de dólares gastos na sua reconstrução. Veja abaixo o estrago feito durante a guerra civil e o resultado das reformas.

Rua Abdel Malak após a guerra civil, tomada pelo mato e com marcas de tiros nos prédios. Após a reconstrução, a reforma transformou a região num pólo de atração turística e de prestação de serviços.Região após a guerra civil, tomada pelo mato e com marcas de tiros nos prédios. A reforma transformou a cidade.

Em 2005, a Síria - após quase 30 anos de ocupação militar - foi responsabilizada pelo assassinato do primeiro ministro libanês Rafik al Hariri - um político popular e defensor de uma posição independente diante da Síria. Também no fim de 2005, o deputado e jornalista libanês Gibran Tueni - contrário a ocupação da Síria - foi assassinado. Mesmas razões e mesmas circunstâncias: atentados com carros bomba. Esses fatos levaram a população libanesa a protestar contra a ocupação da Síria e a ONU à publicar a Resolução 1559, exigindo que o Líbano assumisse controle total sobre o seu território. Desconheço as condições dessa resolução, mas na prática o que ocorreu foi que o Líbano passou a ser um país dividido. Controlado ao norte por um "governo formal sem exército" e ao sul - fronteira com Israel - por um grupo independente, terrorista, armado até os dentes e preparado para continuar a "guerra santa" contra o invasor.

A retirada de tropas sírias do Líbano, deixou o país a mercê do Hezbollah. Era apenas uma questão de tempo para que houvesse alguma agressão do Hezbollah. Eles morderam a isca. Não deu outra, na primeira oportunidade, seqüestram dois jovens soldados israelenses. A continuação estamos vendo parcialmente pela imprensa, que por sua vez, não está mostrando nem um quinto do que está acontecendo por lá. Desde o início dos bombardeios, ficou claro o exército israelense não faz distinção entre civis libaneses e terroristas.

Libaneses olham prédio destruído por ataque aéreo israelense, em Nabatiyeh, Líbano

A imprensa e a opinião pública mundial fazem distinção entre civis e terroristas.

Isso não ajuda em nada a imagem truculenta que Israel insiste em construir para a comunidade internacional.

O Líbano precisa construir um governo e um exército forte com urgência, para que possa enquadrar seus radicais, crescer como nação e responsabilizar-se internacionalmente pela atitude agressora de seus extremistas. A ausência de uma manifestação clara do governo libanês dá a impressão que o Líbano é terra de ninguém.

Moradores de Beirute, no Líbano, olham cratera aberta após bombardeio das forças armadas de Israel.

É igualmente uma pena que a Palestina, mesmo tendo sido autorizada pela ONU à constituir um Estado independente, prefira manter a "autoridade palestina" em vigor. Assim, mantém a imprensa e a opinião pública internacional favorável ao seu discurso de povo subjugado enquanto facções do Hamas continuam a agir clandestinamente, reclamando, da forma errada, o direito internacional à um território que lhes pertence e que foi invadido e habitado por colonos israelenses.

Também é uma pena que a cultura do povo israelense insista em votar em líderes radicais para ocupar funções estratégicas no seu governo. A política do olho por olho, dente por dente, territórios ocupados e prisioneiros confirma que o conflito jamais acabará.

Crianças israelenses aprendendo o ódio e a intolerância.

Uma das mães sorri ao fundo.

Adultos(?) felizes ensinando o ódio às crianças israelenses.

Se cada país assumir sua função soberana e dizimar seus grupos extremistas, o conflito acaba. Nessas condições, havendo um ato terrorista contra qualquer país da região, o mundo apoiará a reação desta nação que agirá como integrante da ONU e não de acordo com os interesses políticos de seus governos. Pode até haver bombardeios, mas a região estará ocupada por tropas da ONU e não do país agredido. Nesse cenário "ideal", tudo muda. Os governos são mais fortes que seus grupos radicais, os argumentos de guerra acabam, a opinião pública muda, o mercado econômico se normaliza e por aí vai. Por que os países não adotam essa postura? Parece que tem alguma coisa a ver com a religião deles... (é quando um excelente design dá errado)

Não posso acreditar na versão conspiratória de que o Líbano aceitou servir de alvo para um ataque israelense, através de um atentado do Hezbollah, financiado pela Síria e pelo Irã. O Líbano é um país militarmente fraco. Declarar guerra a Israel seria levar o país à ruína em semanas. Teriam se submetido à isso pela "causa árabe"? Claro que não. O Líbano simplesmente não controla a parte sul do seu país e Israel está tirando proveito disso, não para destruir um grupo terrorista, mas para destruir toda a infra-estrutura de um país que um dia foi próspero e até chegou a ser considerado a "Suíça do Oriente".

Míssil é lançado pelo Exército de Israel, do norte do país, rumo ao sul do Líbano.

A destruição de um grupo terrorista pode ser um pretexto válido para Israel, mas invariavelmente, vem acompanhada da questão étnica. É bem fácil para a opinião pública (e para os árabes) entender que Israel, como minoria étnica, está agredindo todo o "mundo árabe". As imagens dos bombardeios à civis demonstram bem isso. Síria, Jordânia, Egito, Arábia Saudita e Irã já protestam contra o andamento do conflito.

Quando tento imaginar a região sem nenhum conflito militar, sem terroristas e sem governantes radicais, as diferenças culturais voltam a prevalecer gerando um novo conflito e assim sucessivamente. O motor será sempre a intolerância religiosa.

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As evidentes perguntas que sobram dessa história são sempre óbvias, mas ninguém está disposto a respondê-las. Por que o governo libanês não acatou a Resolution 1559 da ONU e não desarmou seus radicais? Que interesse tem o Líbano em manter o Hezbollah por lá? (trocadilho imperdível) Por que o Líbano não tem um exército descente? Por que a Síria, durante seus 30 anos de ocupação, não ajudou a acabar com Hezbollah? Se a pressão popular expulsou a Síria do Líbano, porque permitiu que eles ocupassem o território por trinta anos? Que interesse tem a Síria no Líbano? Por que a ONU impôs uma resolução, mas não ajudou (com suas tropas) o Líbano a acabar com o Hezbollah? Qual o ganho disso tudo? Nenhuma resposta parece satisfatória. São todas transitórias e evocam um poder relativo.


* A glória do mundo é transitória.

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