sábado, 29 de julho de 2006

Auto-engano

Carro em meio a escombros de área atingida por míssil israelense no sul de Beirute - Adnan Hajj / Reuters

"Israel faz um favor ao Líbano ao atacar o Hezbollah, diz um diplomata de Tel Aviv. Agora entendo. Os libaneses devem dar graças aos israelenses por destruir suas vidas e sua infra-estrutura. Devem agradecer todos os ataques aéreos e crianças mortas. Até onde pode chegar o auto-engano?" Robert Fisk - correspondente em Beirute, do site Carta Maior.

Publicado "as it" no blog do Paulo Moreira Leite, do Estadão.

Cada uma que eu leio... O blog do Estadão apenas reproduziu o texto e deixou aberto para comentários. Como o correspondente em Beirute não citou o nome do diplomata, nem forneceu algum link que legitimasse e detalhasse a notícia, o espaço para comentários rapidamente se transformou em um campo de batalha. Nesses casos, sempre me abstenho de comentar. Mas só por lá, não por aqui.


O povo libanês, ao invés de agradecer Israel pela demonstração de brutalidade, como sugere o post, deveria obrigar o governo libanês a assumir o controle territorial de sua fronteira e a dizimar o braço armado do Hezbollah, como propõe a Resolução 1559 da ONU.

O povo libanês está colhendo o que plantou, ao aceitar que o Hezbollah lhes construísse hospitais, escolas e serviços humanitários. Deveria ter cobrado essas ações de seus governantes. O Hezbollah trouxe bem estar ao sul esquecido pelo governo do Líbano, que passou a apoiá-lo. Mas também trouxe a doutrina fundamentalista islâmica e o terrorismo. Se continuar assim, em breve, o Líbano se transformará em mais uma teocracia, o que será uma pena.

Governo fraco + povo crente = Hezbollah

O povo palestino, da mesma forma, deveria cobrar da sua "Autoridade Palestina" que se formalizasse como um Estado. O que já foi aceito pelo resto do planeta. Não o fizeram até agora porque não poderiam justificar as ações do Hamas.

Governo fraco + povo crente = Hamas

O povo brasileiro, da mesma forma, deveria cobrar de seu governo uma reforma agrária justa e rápida para resolver o assentamento dos seus colonos. O governo não o faz, por ceder ao poderoso lobby de latifundiários no parlamento brasileiro. Esse desprezo pela questão do assentamento é bem parecido com o desprezo do governo libanês com o sul de seu país. Povo sem governo é facilmente doutrinado por militantes, quase sempre radicais.

Governo fraco + povo crente = MST

Quanto a Israel, bem, eles ganham mais território anexado para negociar seus acordos de paz, embora o custo dessa estratégia seja sua reputação ir para o mesmo lugar que está indo a reputação norte-americana, perante a opinião pública mundial. Mas isso não é lá muito importante para eles.

Quanto ao comentário do Robert Fisk “correspondente em Beirute, do site Carta Maior", considero sua afirmação tendenciosa, parcial e também superficial, uma vez que exclui do seu raciocício o fato do povo libanês apoiar as ações do Hezbollah. Exclui também a responsabilidade do Líbano em não cumprir a Resolução da ONU, que afinal, reflete o desejo das "nações unidas" e acaba com o argumento de que o Líbano representa uma ameaça à Israel.

Depois desse episódio, duvido que os israelenses cogitem a possibilidade de devolver territórios ocupados tão cedo. Em outras palavras, mesmo que o Líbano tivesse um exercito constituído, ele não poderia defender seu território de forma legitima, senão enfrentando Israel. Nesse caso, novamente deve prevalecer as resoluções da ONU, só que dessa vez, para Israel.

A descrição do que deve ser feito por lá é óbvia e conhecida por qualquer um que pretenda fazer uma análise isenta do assunto. Ocorre que não existe isenção por lá, pelo contrário, os argumentos que sustentam os motivos de cada lado são religiosos e econômicos. Assim, qualquer tentativa de paz é frustrada. Somem-se a isso décadas de ineficiência dos governos em por fim ao conflito e o que sobra é o ódio étnico e a intolerância de árabes e judeus.

Auto-engano é não fazer a lição de casa.

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