Faz 76 anos que votar no Brasil é obrigatório.
Sempre que é ano de eleições fico curioso para saber como tem evoluído a opinião das pessoas sobre o voto obrigatório. Tenho a impressão de que esse assunto é cada vez menos debatido. Ao invés disso, debate-se cada vez mais a péssima qualidade dos candidatos e a impaciência da população com as atitudes dos políticos eleitos.
Com raras exceções, a imprensa não se interessa pelo assunto. Crimes e denúncias políticas geram mais audiência que debates sobre liberdade e democracia. Por outro lado, na internet assistimos todo tipo de manifestação contrária à política, desde as mais grotescas até as mais refinadas, escritas por renomados cientistas políticos que se desdobram para avaliar a complexidade dos bastidores da política nacional, como se isso explicasse o baixo nível dos nossos representantes.
O que chama a atenção é a preferência nacional em discutir, apontar e ridicularizar os sintomas e evitar a todo custo discutir sobre uma alternativa viável para acabar ou pelo menos diminuir consideravelmente a principal causa desse problema. De uma maneira geral, discute-se política no Brasil como se discute futebol, onde as preferências são exclusivamente subjetivas e passionais. Na hora do voto, escolhemos os candidatos baseados nos mesmos critérios. Depois observamos o resultado e voltamos a criticar o processo como um todo, num circulo vicioso que parece não ter fim.
É verdade que o Brasil continua firme em seu processo de redemocratização. Vinte e quatro anos de eleições livres não é nada em termos de democracia, mas a evolução do processo eleitoral precisa continuar.
Pensando nisso resolvi publicar uma série de quatro artigos sobre o assunto. O primeiro é sobre a criação do voto obrigatório e sua história recente. O segundo fala sobre a diferença entre voto nulo e o voto em branco. Questão sempre confusa para a maioria das pessoas. O terceiro é um teste sobre o envolvimento do eleitor com o processo eleitoral e o quarto artigo é um exercício de imaginação sobre como seria se o voto não fosse obrigatório. Os artigos foram resgatados de minha base de dados. Nenhum é de 2008, embora sejam todos atuais, visto que nada mudou nos últimos anos.
Neste primeiro post transcrevo uma reportagem que saiu na Revista da Folha de setembro de 2004, assinada pelo jornalista Roberto de Oliveira. Traz um breve resumo desde a criação do Código Eleitoral em 1932, a forma que essa questão vem sendo debatida no Congresso e os principais argumentos a favor e contra o voto obrigatório. Traz também a posição de cada partido e a opinião dos diretores das agências de publicidade naquele ano. Interessante observar que em 2004 o presidente da Câmara era o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), envolvido no escândalo do mensalão, e o presidente do Senado era José Sarney (PMDB-AP), hors concur. Se essa reportagem pudesse ser a atualizada para 2008, aposto que as opiniões não seriam muito diferentes.
Fica aqui minha colaboração para o pleito de 2008.
Voto vencido
Roberto de Oliveira
Por que política e governos mudam mas a obrigatoriedade de votar, estabelecida há 72 anos, nunca entra em discussão?
Não há dúvida de que os brasileiros e o voto vivem uma relação conturbada. São 72 anos de convivência, interrompidos por 35 anos de abstinência forçada, "cortesia" de dois regimes autoritários, a ditadura Vargas e o período militar. Mas, confirmando o ditado que diz que o que não mata, engorda, as separações litigiosas parecem ter ajudado a garantir a longevidade do casamento. Pena que ele seja movido pela obrigação.
O voto se tornou compulsório no Código Eleitoral de 1932, no governo Getúlio Vargas -o mesmo que, cinco anos depois, suspenderia esse direito pela primeira vez. "A obrigatoriedade teve um papel histórico na consolidação da democracia brasileira, mas seria importante o país rediscutir o fim desse ciclo", afirma Adilson Dallari, 63, professor de direito da PUC.
Difícil é achar um governo com coragem para mexer no vespeiro. De um lado, os defensores da situação acham que o voto opcional só atrairia o eleitor politizado (leia-se mais rico), transformando o Brasil em uma democracia de elite. Do outro, os militantes do voto facultativo argumentam que o compulsório corrompe a liberdade do cidadão de escolher ou não um candidato -além de fomentar o voto alienado.
(Nota do HNE: A tese que defende o voto obrigatório não se confirma, pois é necessário um número mínimo de votos para alguém se candidatar. Se a eleição não gera o número suficiente de votos, é óbvio que a população está descontente com os candidatos. Achar que temos que votar nos candidatos que as convenções partidárias definem, ainda é uma forma de imposição, reflexo de uma cultura que segue o modelo da ditadura de "aceitar sem reclamar". Além disso, achar que eleitor politizado é sempre rico, demonstra um profundo desconhecimento da mentalidade da população que sofre sem condições de saúde e de educação e que sabe que deve recorrer ao governo para auxiliá-la. Além disso, demonstra uma clara intenção de manipulação dessa mesma população que, não sendo "politizada" deve acreditar que "quem entende do assunto", escolheu os melhores candidatos para ela.)
Qualquer mudança exige a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que deve ser apresentada pelo presidente da República, por um terço da Câmara ou do Senado ou por mais da metade das Assembléias Legislativas do país - e aprovada por maioria absoluta. "Eles foram eleitos nesse sistema obrigatório e não têm interesse em arriscar um regime diferente", diz o cientista político Marcus Figueiredo, 62, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do RJ).
Propostas não faltam: 18 PECs tramitam há anos na Câmara dos Deputados e outras seis no Senado. Mas não há interesse. Até a posição dos partidos diante da obrigatoriedade é difícil apurar: a Revista esperou dez dias para obter a informação das 15 legendas de maior representatividade na Câmara. Algumas só enviaram na última hora, depois de muita cobrança; o Prona nem isso (leia na pág. 14).
Fala o presidente da Câmara: "Sou favorável ao voto facultativo", afirma João Paulo Cunha (PT-SP). "Se o voto é um direito constitucional, o ato de votar não pode ser uma obrigação." Parece que seu partido não pensa do mesmo jeito. João Paulo conta que, três meses depois de assumir, criou uma comissão especial para dar parecer sobre a PEC 190/94, que tem melhores condições técnicas e regimentais para prosperar.
Quatro dos 15 partidos não indicaram membros, inclusive o PT, que teria seis integrantes. "Minha expectativa, ao longo de 2003, era que o voto facultativo fosse discutido juntamente com a reforma política, mas faltou empenho para que o tema prosperasse", diz. O PT argumenta que a questão está em debate, mas que, no momento, não tem uma posição fechada.
No Senado, a situação é pior. O presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), é categoricamente favorável à manutenção. "Sou contra o voto facultativo porque o Brasil ainda não está amadurecido politicamente. É preciso praticar mais a democracia, estimular a cultura política. Retirar a obrigatoriedade do voto seria um fator desmobilizador."
A ameaça de crescimento das abstenções num eventual regime de voto facultativo é, em tese, o principal obstáculo à mudança. A média histórica de abstenção no Brasil varia de 15% a 20%, segundo o Iuperj. "Com voto facultativo, ela tende a crescer para 25% a 30%, principalmente em eleições municipais", acha Marcus Figueiredo. Nas de governador e presidente, casadas com as de deputados, o índice tenderia a ser menor.
"A competição nas eleições estaduais e presidencial chama a atenção do eleitor. A democracia brasileira está numa fase de amadurecimento, em que as abstenções são localizadas e reflexos de cada momento político." Os índices de abstenção, segundo o professor, giram em torno de 8% na região Sul/Sudeste e quase o dobro, 15%, no Norte/Nordeste.
"É um problema de conscientização política. Cabe aos partidos trabalhar para que o eleitor vá espontaneamente votar", diz José Afonso da Silva, 79, ex-secretário da Segurança do governo Covas professor de direito constitucional da USP.
Numa época em que o marketing político virou item prioritário, a Revista convidou cinco agências para uma campanha eleitoral às avessas, sem verba nem candidato. Nas próximas páginas, a idéia é defender o direito, não a obrigação.
A opinião dos partidos PT
no muro
Motivo - O voto facultativo está em debate no projeto da reforma política
PMDB
obrigatório
Motivo - Enquanto não atingir o equilíbrio social, tem que continuar obrigatório
PFL
no muro
Motivo - Há discordância entre os membros do partido
PP
obrigatório
Motivo - É uma maneira de fazer com que o cidadão participe da vida política
PTB
facultativo
Motivo - Deve ser encarado como um direito e não como uma obrigação
PSDB
no muro
Motivo - Ainda não há um posicionamento oficial sobre essa questão
PL/PSL*
facultativo
Motivo - Os dois partidos são contrários a qualquer tipo de imposição
PPS
obrigatório
Motivo - É a forma mais eficaz de garantir a representatividade do pleito
PSB
facultativo
Motivo - Enquanto for obrigatório, reforça-se a antítese democrática
PDT
no muro
Motivo - O partido ainda não tem uma opinião fechada sobre o tema
PC do B
obrigatório
Motivo - Além de direito, é um dever que fortalece a democracia
PSC
no muro
Motivo - Ainda não consultou seus filiados para ter uma posição
PV
facultativo
Motivo - Contra o que é obrigatório, principalmente o que diz respeito à cidadania
PRONA
Motivo - O partido se recusou a manifestar sua opinião
*Os dois partidos, que formam um bloco, têm a mesma posição
A vontade da maioria
Luiz Piauhylino Filho* A palavra voto vem do latim "voluntas" e quer dizer vontade.
Isso é o que o cidadão deve expressar quando deposita nas urnas o seu voto, optando por um dos candidatos na disputa eleitoral. Mas a meta do voto consciente ainda precisa passar pelo sufrágio compulsório, que possui a função educativa de exercitar a cidadania dentro de uma sociedade que, historicamente, sempre alijou a maior parte da população da participação política. O voto compulsório, portanto, faz valer a vontade da maioria.
Os defensores da mudança alegam que a norma impositiva está defasada e é incoerente em uma democracia consolidada, como a brasileira. Com freqüência citam o modelo dos Estados Unidos, onde o voto é facultativo, esquecendo-se de enfatizar que a democracia americana convive hoje com taxas de abstenção altíssimas, superiores a 50%.
Não raramente, ouvimos que a obrigatoriedade conduz ao voto sem compromisso, já que é apenas uma obrigação, e que o brasileiro não sabe votar. Tratam-se de duas falácias.
O brasileiro vem gradativamente demonstrando amadurecimento político, exigindo ética e desempenho administrativo dos candidatos, buscando nomes comprometidos com as causas maiores do interesse público. Hoje, a maioria dos eleitores está caminhando no sentido de distinguir uma promessa irreal e inconseqüente de um compromisso político possível de ser concretizado. O exercício do voto vem sendo aprimorado pela prática sucessiva e, para que prevaleça a vontade da maioria, essa conquista não pode sofrer solução de continuidade.
Luiz Piauhylino Filho , 35, é advogado, presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo da OAB-SP.
Agências de Publicidade McCANN-ERICKSON
Criação
Diretor de criação e vice-presidente da agência, Marcelo Lucato, 48
Posição pessoal
É favorável ao voto facultativo
OGILVY
Criação
Diretor de arte Eduardo Doss, 35
Redator Rubens Filho, 37
Posição pessoal
Eduardo é favor do voto facultativo e Rubens, contra
DPZ
Criação
Diretores de criação Francesc Petit, 72, (de óculos) e Carlos Silvério, 40 (à dir.)
Criativos Ana Laura Gomes, 39, e Fernando Rodrigues, 43 (centro)
Posição pessoal
Todos são favoráveis ao voto facultativo
PUBLICIS SALLES NORTON
Criação
Diretor de arte André Gola, 26
Redator Arício Fortes, 23
Posição pessoal
Ambos favoráveis ao voto facultativo
THOMPSON
Criação
Diretora de arte Keka Morelle, 29
Diretor de criação Átila Francucci, 41
Redator Fábio Brandão, 30
Posição pessoal
Todos favoráveis ao voto facultativo
Fonte Revista da Folha